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RTP, a nova aliada dos conservadores

26.06.20 | João Massena

 

Quem diria que com a minha idade andaria em busca das gravações automáticas do fornecedor de televisão em busca de um episodio dentro do espaço para os mais jovens, o Zig Zag, em particular da série “Destemidas”, mais em particular, o episodio sobre a vida de Thérèse Clerc.

Muito resumidamente, Thérèse Clerc foi uma mulher de causas, das causas fracturantes do seu tempo e na verdade, do nosso também. Tanto assim é que o episodio sobre a vida da senhora causou por aí forte polémica.

Vamos então chafurdar na lama da sociedade. A primeira coisa que me faz comichão é o facto de um programa dedicado a crianças dos 10 aos 12 anos acabar por ser visto por tantos sujeitos de maioridade que se dedicam à critica no facebook e na redacção de criticas para o provedor do telespectador, para o efeito Jorge Wemans.

O episodio tem cerca de três minutos e resume boa parte de uma vida de 89 anos a perto de 180 segundos. Começa por registar que Thérèse Clerc vem de uma família conservadora, cria uma família conservadora até que, aparece numa igreja, a ler um livro que aqui é ilustrado com uma capa com o símbolo do comunismo, descobre que pode pensar e fazer com que sejam pensamentos consequentes. Descobre o activismo, diz a narradora, através dos padres operários.

Neste momento, calculo que já toda a extrema-direita estivesse em pele de galinha ao ver misturar comunismo e igreja católica. Disfarçar com a palavra “religião” como tenho visto aí na imprensa é treta porque religiões há muitas. Falamos especificamente de conservadores de extrema-direita, falsos beatos.

Para esta malta a coisa só tende a agravar-se porque imagine-se, a senhora vai defender o direito ao aborto, coisa que por terras lusas, muito por culpa dos ditos conservadores, demorou mais umas décadas e para sua irritação, acabou por resultar na diminuição do número de abortos praticados e o fim das mortes de mulheres resultante de abortos feitos em vãos de escada.

Mas não fica por aqui. Thérèse Clerc divorcia-se, muda de casa, aparece a dar um beijo demonstrando a defesa pela liberdade individual, neste caso, o direito à liberdade sexual, à homossexualidade.

Para conservadores de extrema direita a senhora é um pack de defeitos, um demónio saído do mais fundo dos infernos.

E na verdade, tudo bem. Cada um tem a sua opinião e ao extremo, concordemos na discordância.

O problema não está aí. O problema está na RTP, que é um serviço publico e em particular, em última instância porque foi quem deu a cara, de Jorge Wemans.

 

Então não é que o canal publico que passa touradas com fartura, ainda que com metade da população a reclamar, ao abrigo de (barbaras) tradições é o mesmo que perante uma senhora que lutou por causas que por cá também se lutaram, e fê-lo muito antes, em tempos muito mais conturbados, e que são todas elas, as causas, hoje legais em Portugal, retiram-lhe o episodio do ar e da RTP Play porque são temas “sensíveis” para crianças dos 10 aos 12 anos.

Esperava este conservadorismo de muita gente, não de Jorge Wemans.

Caro Jorge, a RTP, tal como as restantes televisões, e aqui fico-me apenas pelos canais portugueses generalistas, passam o tempo a vender sangue nos noticiários. Ganha o que tiver mais violência. Telenovelas portuguesas, para não existir a desculpa que vem lá de fora, onde sexo, violência, logro, e até a linguagem são do mais mundano que há, sem qualquer tipo de filtro. Um país que tem um canal dedicado ao Big Brother e que ocupa boa parte do tempo do canal aberto. Com canais que transformam relacionamentos, casamentos, vidas, em concursos de televisão.

E depois, na casa do serviço público, não se pode falar de padres comunistas, de feministas, de aborto, de divorcio nem de homossexualidade. Estes temas não ferem as sensibilidades nem promovem comportamentos das crianças.  Estes temas ferem sensibilidades de adultos e promovem comportamentos de adultos e é deles que vieram as reclamações. Este é mais um prego na cruz da RTP, desta feita com um rosto, com um nome, Jorge Wemans.

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